Golpe de clonagem digital de carros atinge de motoristas a montadoras
Especialista explica como criminosos transferem carros digitalmente, sem vistoria e sem tocar nos veículos
A clonagem de veículos no Brasil ganhou uma nova e sofisticada dimensão. Longe da velha troca de placas, quadrilhas agora conseguem transferir a propriedade de um carro sem sequer vê-lo fisicamente. Utilizando dados vazados de sistemas públicos, criminosos acessam informações detalhadas de veículos e realizam transferências digitais fraudulentas, atingindo desde motoristas comuns até grandes frotas corporativas de locadoras e montadoras.
“O segredo do golpe está no vazamento de dados dos sistemas públicos, principalmente dos Detrans e do Contran. Os criminosos acessam dados completos dos veículos, como número do chassi e informações do proprietário, e transferem o carro digitalmente para outro nome, sem vistoria e sem apresentar o veículo”, explica o advogado Francisco Gomes Junior, especialista em crimes cibernéticos e presidente da Associação de Defesa dos Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP).
Segundo o advogado, essas transferências ilícitas se apoiam em falhas nos sistemas digitais do governo e na atuação de infiltrados que comercializam dados pessoais na dark web, que é um ambiente sem regulação, de acesso anônimo e difícil rastreamento, onde circulam tanto conteúdos ilícitos quanto informações sigilosas usadas por agências governamentais.
“O esquema é operado por grandes quadrilhas organizadas, mas também por estelionatários independentes. As organizações criminosas usam os carros para lavagem de dinheiro, registrando milhares de veículos em nome de empresas de fachada para justificar movimentações ilícitas. Já os golpistas autônomos usam os veículos como garantia para obter empréstimos fraudulentos. É uma forma eficiente de lavar dinheiro sem levantar suspeitas imediatas”, afirma o especialista.
Francisco pontua também que os alvos preferidos das quadrilhas são as frotas corporativas internas de montadoras, especialmente aquelas utilizadas em ações de marketing, postagens e campanhas promocionais, pois a ampla exposição das placas e informações nas redes sociais facilita a atuação dos criminosos.
“Em grandes frotas, a clonagem pode passar despercebida por mais tempo. Os criminosos costumam replicar uma parte significativa dos veículos da mesma empresa e as vítimas costumam perceber a fraude ao receber multas de locais onde seus veículos nunca circularam ou ao descobrir transferências irregulares de propriedade”, alerta o especialista.
“Para confirmar se o veículo foi clonado, o primeiro passo é acessar o site do Detran do seu estado ou o aplicativo Sinesp Cidadão e fazer uma consulta veicular utilizando a placa, o Renavam ou, se possível, o número do chassi. Esses serviços informam sobre roubos, furtos, multas e o histórico completo do veículo, permitindo identificar inconsistências em relação ao que consta no documento”, destaca Francisco.
Nesses casos, a orientação do advogado é registrar um Boletim de Ocorrência imediatamente e acionar a Justiça para cancelar a transferência fraudulenta. O procedimento pode ser feito nos Juizados Especiais, sem a necessidade de um advogado. Francisco ressalta, porém, que o apoio de um profissional especializado costuma facilitar a defesa e agilizar a regularização.
“O cerne do problema está na fragilidade dos órgãos públicos. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi criada para proteger os dados do consumidor, mas os maiores vazamentos ainda vêm dos órgãos públicos. Enquanto isso não mudar, casos como esse vão continuar se multiplicando.”, conclui o advogado.
Dr. Francisco Gomes Júnior: Advogado sócio da OGF Advogados, especialista em Crimes Cibernéticos e presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP). Foi Presidente da Comissão de Ética Empresarial e da Comissão de Direito Empresarial na OAB. Instagram: @franciscogomesadv
Luciana Vitale<luciana@maximasp.com.br