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Celso Amorim espera ‘o pior’ com EUA na guerra com Irã

Assessor especial da Lula diz que justificativa de Israel para ataques ao Irã não se sustenta e afirma que líderes dos Brics terão que se debruçar sobre a crise na próxima cúpula no Rio: ‘Ordem internacional está sob ataque’.

 

Uma eventual tentativa dos Estados Unidos de mudar o regime que está no poder no Irã, como chegou a ser aventado pelo presidente Donald Trump, teria efeitos caóticos no Oriente Médio, avalia o embaixador Celso Amorim em entrevista à BBC News Brasil.

Um movimento desta natureza seria lido no país como uma interferência estrangeira e poderia desencadear uma série de conflitos como ocorreu no Iraque e na Líbia após intervenções americanas.

Amorim, que é assessor especial para Assuntos Internacionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), diz que a justificativa de Israel e Estados Unidos para os ataques recentes — o risco de o Irã desenvolver uma bomba nuclear — não se sustenta.

Ao mesmo tempo, diz estar pessimista com os rumos da guerra entre Israel e Irã, porque o envolvimento americano faz com que a crise se alastre e, ao mesmo tempo, seja mais difícil prever seu desfecho.

Essa é uma emergência tão grave quanto a crise dos mísseis que o mundo atravessou durante a Guerra Fria, diz Amorim, e que será “inevitável” que os líderes dos Brics se debrucem sobre ela na sua próxima cúpula, marcada para o início de julho, no Rio de Janeiro.

“O que está sendo atacado agora não é só o Irã, mas a ordem internacional”, afirma o embaixador brasileiro.

No entanto, Amorim avalia que, diferentemente do que ocorreu no passado, quando o Brasil foi chamado a intermediar um acordo com o Irã sobre seu programa nuclear, o governo brasileiro tem “zero chance” de trabalhar por uma solução para o conflito atual.

‘Tentar mudar regime do Irã vai ser pior do que no Iraque’

A mudança de regime no Irã foi aventada publicamente no domingo (22/6) pelo presidente americano, Donald Trump.

“Não é politicamente correto usar o termo ‘mudança de regime’, mas se o atual regime iraniano não é capaz de tornar o Irã grande de novo, por que não poderia haver uma mudança de regime”, disse Trump em uma postagem na rede Truth Social — embora a Casa Branca tenha em seguida afirmado que este não é um objetivo declarado dos Estados Unidos.

Para Amorim, “o povo iraniano não vai aceitar uma interferência estrangeira”.

“Tentar mudar o regime no Irã vai ser um caos pior do que o que ocorreu no Iraque e na Líbia”, diz Amorim, acrescentando que uma escalada da crise na região seria uma “grande ameaça” para todo o mundo.

O embaixador se refere aos conflitos que surgiram no Iraque e na Líbia após as intervenções dos Estados Unidos e de países europeus nos dois países.

Em 2003, sem aval do Conselho de Segurança das Nações Unidas, os Estados Unidos invadiram o Iraque e depuseram o então ditador Saddam Hussein.

À época, a justificativa para o ataque era de que o país detinha armas de destruição em massa. Essas armas, porém, nunca foram localizadas.

Após o fim do regime, o país foi tomado por uma série de conflitos internos que levou ao surgimento do grupo autodeclarado Estado Islâmico. Os conflitos levaram à morte de centenas de milhares de iraquianos.

Situação semelhante aconteceu na Líbia. Em 2011, o país então governado pelo ditador Muamar Kadafi, foi alvo de uma ação militar liderada pelos Estados Unidos e países europeus como o Reino Unido e a França. A ação acabou derrubando Kadafi, que foi posteriormente morto por tropas rebeldes.

Desta vez, Israel e Estados Unidos têm justificado os ataques ao Irã afirmando que eles teriam o objetivo de impedir o país de obter armas nucleares. No sábado (21/6), o governo americano anunciou que bombardeou instalações nucleares do Irã.

Para Amorim, no entanto, essa tese não se justifica. Ele diz não acreditar que os iranianos tenham armas nucleares ou que estejam perto de obtê-las.

“Há 15 anos, quando estávamos negociando um acordo sobre o programa nuclear iraniano a pedido dos Estados Unidos, eu estive em Israel, e eles me disseram que os iranianos iriam ter uma bomba nuclear em seis meses”, diz Amorim.

“Até hoje, é sempre daqui a seis meses. Mas nunca será. Eles (iranianos) sabem que o risco de ter uma bomba nuclear é muito grande.”

‘Honestamente, espero o pior’

Amorim diz estar pessimista sobre a evolução do conflito e considera que os ataques do Irã a bases americanas no Catar foram uma reação “previsível”.

“Tenho falado há muito tempo que essa é uma guerra com um imenso potencial para se alastrar e isso já está acontecendo”, afirma.

O embaixador diz que o envolvimento dos Estados Unidos no conflito torna o desfecho da crise ainda mais incerto.

“É uma grande ameaça para o mundo. Se o Irã fechar o Estreito de Ormuz, o impacto no preço do petróleo vai ser imenso”, diz Amorim.

“Agora, temos o envolvimento dos Estados Unidos. Acho que não estava nos cálculos que o Irã pudesse revidar a Israel e aos Estados Unidos. Não sei o que Trump vai fazer, mas considerando o julgamento que eles (governo Trump) costumam fazer, eu, honestamente, espero o pior.”

Amorim também afirmou que o agravamento da crise envolvendo o Irã deverá ser abordado na reunião de cúpula dos Brics, que está prevista para os 5 a 7 de julho, no Rio de Janeiro.

Os Brics são um grupo de países formado por Brasil, Rússia, China, África do Sul, Índia, Irã, Etiópia, Egito, Arábia Saudita e Indonésia.

“É um assunto inevitável, até porque o que está sendo atacado agora não é só o Irã, mas a ordem internacional. E a ordem internacional já está sendo atacada há algum tempo”, diz Amorim.

Segundo ele, a situação é tão perigosa quanto a vivida pelo mundo durante a conhecida crise dos mísseis, envolvendo os Estados Unidos e a então União Soviética, em 1962.

“A crise dos mísseis envolvia duas pessoas que tinham um telefone vermelho entre elas e que se comunicavam e faziam raciocínios razoavelmente pragmáticos de um lado e do outro, independentemente da ideologia”, diz Amorim.

“Agora, temos duas guerras de grande porte, uma na Ucrânia e outra no Oriente Médio. Quem achar que isso será um passeio na relva está enganado.”

‘Brasil tem zero chance de mediar paz’

A posição de Amorim está em linha com a nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores na semana passada sobre os bombardeios na região. O governo brasileiro condenou os ataques de Israel e Estados Unidos ao Irã.

“O governo brasileiro expressa grave preocupação com a escalada militar no Oriente Médio e condena com veemência, nesse contexto, ataques militares de Israel e, mais recentemente, dos Estados Unidos, contra instalações nucleares, em violação da soberania do Irã e do direito internacional”, disse o governo brasileiro.

A posição brasileira, no entanto, é diferente da do G7, grupo que reúne Estados Unidos, Reino Unido, Itália, França, Canadá, Japão, Alemanha e União Europeia, divulgada na semana passada, e que defendeu as ações israelenses.

Apesar de condenar os ataques americanos e israelenses ao Irã, Amorim diz não ser contra a existência do Estado de Israel.

“Claro que nós também defendemos a existência de Israel, mas dentro do modelo que a ONU prevê, com dois Estados [Israel e Palestina] e dentro de todos os acordos firmados até agora”, diz o diplomata.

Amorim afirma, no entanto, que o Brasil não teria neste momento condições de mediar uma solução pacífica para o conflito.

O diplomata foi um dos principais envolvidos em um acordo sobre o programa nuclear intermediado pelo Brasil e pela Turquia que tinha sido previamente aceito pelo Iraque e por potências como os Estados Unidos e países europeus.

Após o aceite dos iranianos, no entanto, os americanos mudaram de posição e não mantiveram o acordo.

A Casa Branca acusou o Irã de assinar o acordo apenas para ganhar mais tempo e evitar sanções, que foram aprovadas em junho de 2010 no Conselho de Segurança das Nações Unidas, com votos contrários de Brasil e Turquia.

“O Brasil tem zero chance [de mediar]. Porque [em 2009] nossa ação partiu de um pedido do Barack Obama [então presidente dos Estados Unidos]. E nós fizemos exatamente o que nos pediram, em conjunto com a Turquia”, afirma o diplomata.

“Se os Estados Unidos mudaram de ideia no meio do caminho é outra questão.”

 

Fonte: correiobraziliense