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Trump fecha porta ao ‘turismo de nascimento’ usado por brasileiros nos EUA

Trump determinou fim da cidadania automática aos nascidos nos EUA – regra que levava brasileiras a viajarem para dar à luz no país.

A cidadania por direito de nascença está prevista na 14ª Emenda da Constituição dos EUA, que afirma que “todas as pessoas nascidas” nos Estados Unidos “são cidadãos dos Estados Unidos”.

É chamado jus soli automático, ou “direito do solo” sem restrições, adotado por países como México, Canadá e o Brasil (com algumas exceções).

Em outros países, como Reino Unido, Espanha ou Japão, o critério é o jus sanguinis — ou seja, a cidadania só é automaticamente garantida por descendência, caso algum dos pais já seja cidadão daquele país.

A ordem de Trump argumenta que a Constituição tem sido interpretada de forma errada, sustentando que ela se refere apenas a filhos de cidadãos ou residentes permanentes legais.

Especialistas em direito constitucional têm dito que Trump não poderia acabar com a cidadania por direito de nascença com uma ordem executiva.

“Ele está fazendo algo que vai incomodar muitas pessoas, mas, no final das contas, isso será decidido pelos tribunais”, disse à BBC Saikrishna Prakash, especialista constitucional e professor da Faculdade de Direito da Universidade da Virgínia. “Isso não é algo que ele pode decidir sozinho.”

“Não dá para falar que vai ser realmente feito dessa forma, porque vai tem que passar por vários trâmites legais”, concorda o brasileiro Albert Resende.

A entidade ativista American Civil Liberties Union e outros grupos processaram imediatamente o governo Trump por causa da ordem executiva.

Uma coalizão de 18 Estados liderados por democratas, junto ao Distrito de Columbia (Washington) e a cidade de São Francisco, também já está processando a administração Trump por sua tentativa de acabar com a cidadania por direito de nascimento. Em uma ação separada, mais quatro Estados já tentam bloquear a medida

O procurador-geral de Nova Jersey, Matthew J. Platkin, que liderou um dos esforços jurídicos junto aos procuradores-gerais da Califórnia e de Massachusetts, declarou que a tentativa de Trump de limitar a cidadania por nascimento foi “extraordinária e extrema”.

“Presidentes são poderosos, mas ele não é um rei”, disse ele. “Ele não pode reescrever a Constituição com um simples golpe de caneta.”

Uma emenda constitucional poderia acabar com a cidadania por direito de nascença, mas isso exigiria uma votação de dois terços na Câmara dos Representantes e no Senado e a aprovação de três quartos dos Estados dos EUA. Atualmente, os republicanos têm uma maioria apertada nas duas casas legislativas.

Os veículos de imprensa nos EUA, como o jornal New York Times e a revista Times, tem reforçado que todo esse imbróglio poderia levar a uma longa batalha judicial que acabaria na Suprema Corte.

Em 2015, a BBC News Brasil contou em uma reportagem sobre as mães brasileiras dando à luz em Miami que o então pré-candidato republicano Donald Trump defendia acabar com a concessão automática de cidadania a filhos de estrangeiros.

Durante o primeiro mandato, Trump chegou a ventilar a possibilidade de uma ordem executiva em diversas declarações à imprensa — mas saiu da Casa Branca, em 2020, sem concretizá-la.

Agora, essa foi uma das primeiras medidas tomadas pelo novo governo, em meio a uma retórica de Trump que vem desde a campanha sobre coibir a imigração em direção aos EUA.

“Dessa vez, ele é presidente novamente e você sabe muito bem que ele fala uma coisa ou outra, mas, na verdade, vejo isso como coisa estratégica”, opina o médico e empresário Wladimir Lorentz, da Ser Mamãe em Miami.

Além da empresa de Lorentz, há outras que lucram com o “turismo de nascimento”. Algumas estão ligadas a lojas de produtos de bebês populares entre brasileiras na Flórida. Também há serviços de “assessoria”, em que é oferecida apenas orientação a interessadas.

No caso da Ser Mamãe em Miami, os pacotes variam de US$ 16,4 mil (R$ 98 mil) para partos normais, a US$ 23,3 mil (R$ 140 mil), para parto de gêmeos. O serviço inclui o atendimento médico, internação e anestesia.

Caso a ordem de Trump se concretize em fevereiro, Lorentz diz que, apesar de um dos principais braços de seu negócio ruir, ele seguirá a vida nos Estados Unidos, atendendo os milhares de brasileiros que moram na Flórida, com clínicas em Orlando e Boca Raton.

Além disso, diz, há clientes que o procuram por outro motivo — fugindo da época de alta de casos de dengue no Brasil para a dar à luz nos EUA, por exemplo.

Na estimativa mais recente do Ministério das Relações Exteriores, pouco mais de 2 milhões de brasileiros vivem nos EUA. Desses, cerca de 600 mil são estimados na Flórida, Estado governado pelo republicano Ron DeSantis.

Não há estimativas de quantos bebês filhos de brasileiros nascem por ano nos EUA.

 

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